Ficar só, aos 40 anos
O meu Paulo tinha 50 anos acabados de fazer. Morreu com um enfarte, em nossa casa. Morreu há minha frente, no nosso quarto.
Nunca tivemos filhos. Vivíamos com o filho dele, há 5 anos. No mesmo dia, o meu Paulo morreu e o Melga saiu de nossa casa. Acho que posso dizer que estou no mesmo grupo daquelas pessoas que perdem a família num acidente de automóvel ou num desastre natural. De um dia para o outro, PUUFFF desapareceu tudo…
É uma sensação de vazio. Fica-se oca por dentro.
Nos dias que se seguiram à morte do meu Paulo, lembro-me de pensar: ‘Então, era isto que a vida tinha reservado para mim!? Porquê?’
Está a ser um longo processo. Já tive a fase do choro convulsivo, já tive a fase da revolta, ainda estou na fase das dúvidas (tantas!!!), ainda estou zangada com a vida.
Ficar só, aos 40 anos, é ficar com a vida cortada ao meio. É como se tivessemos um rolo de papel onde vamos escrevendo tudo o que vamos aprendendo e todos os sonhos que ainda queremos realizar e, de repente, chega uma entidade superior qualquer que nos rasga a folha de papel e leva o rolo consigo. Ficamos com o que aprendemos, mas a parte do rolo onde estavam os sonhos é-nos roubada, fica-se sem saber onde vamos continuar a escrever. Sim, porque todos nos dizem que temos que continuar a escrever (‘a vida continua’), mas escrever ‘onde’ e ‘o quê’…
Passaram dois anos. Estou naquela fase em que é suposto o luto deixar de ser justificação para não viver. É suposto avançar. Mas avançar para onde? Por exemplo, sei que tenho muitas saudades de chegar a casa com alguém, mas será com alguém…ou com o Paulo? E se esse alguém tiver filhos? Será que vou conseguir ter outra relação com alguém que vai sempre colocar os filhos em primeiro lugar?
Só sei que preciso avançar, senão corro o risco de me afogar. E sei que, por um lado, não quero 'procurar', mas também não quero ficar 'escondida'.
Não quero esconder-me. Por agora é só isso que sei.
Em abril contei-vos aqui que ia começar o processo de transformar a ‘nossa casa’, na ‘minha casa’. Fiz alguma coisa, mas esta semana cheguei à conclusão que não passaram de meros atos de cosmética. Tenho que ir mais fundo, tenho que meter a ‘mão na massa’.
Na noite em que o Paulo morreu, no meio do meu estado de choque em que não sabia o que dizia, uma enfermeira disse-me ‘não pense em si, pense nele’. Esta frase acompanhou-me e ajudou-me muito nas primeiras decisões que tive que tomar, mas hoje, sinto que esta frase começa a transformar-se numa grilheta amarrada ao meu pescoço.
Acho que está na hora de deixar de pensar primeiro ‘nele’, é hora de pensar em mim.
Para não me afogar, tenho que largar lastro e esperar que, onde quer ele esteja, o meu querido Paulo me compreenda…
Desculpem, vocês ai desse lado, mas de vez em quando têm que levar com estes textos mais profundo-dramáticos. Eu já vos disse algumas vezes, o meu blog é a minha terapia.
Mais uma vez constato que, para mim, estas páginas valem por mil consultas num psicólogo. Andei estes últimos dias numa luta comigo mesma e só uma página em branco (e uma loucura de escreve e apaga e ‘chorar baba e ranho’) me permitiu organizar ideias, chegar a conclusões, afugentar a nuvem negra que se queria instalar.
Tenham paciência. Isto já passa.