Carta às mães de rapazes
Não ensinem só a fazer, ensinem também a sensibilidade
A propósito de mais notícias sobre a igualdade de género (ou a desigualdade que ainda se verifica), mais uma vez o assunto da partilha das tarefas domésticas.
Ontem ouvi uma conversa alheia de uma desconhecida ao telemóvel. Era uma mãe muito orgulhosa da forma como estava a educar os seus filhos rapazes a não ficarem, e passo a citar, ‘dependentes de uma mulher para cuidar de uma casa’.
Não fiquei especialmente impressionada com o tom orgulhoso da senhora. Afinal, acho que não faz mais que a sua obrigação de pôr os miúdos, desde cedo, a saber fazer a cama, levantar a mesa ou não deixar a roupa suja no chão da casa de banho.
Nem de propósito li este texto aqui no Sapinho e, mais uma vez, lembrei-me de muita coisa da minha vida doméstica, no tempo em que tinha o meu Paulo e o Melga.
O meu Paulo sendo uma pessoa normal, com defeitos e virtudes, tinha uma característica que eu adorava: era muito arrumado. Tudo tinha um lugar, tudo tinha que estar arrumado. O meu Paulo ia tomar banho e, quando saía da casa de banho, deixava tudo absolutamente impecável: roupa no cesto da roupa suja, toalhão pendurado a secar, pijama no roupeiro. Em 13 anos de vida em comum nunca encontrei restos de pasta de dentes ou pelos da barba no lavatório. Fazia questão absoluta de passar estes princípios ao Melga. Ficava doente quando chegávamos a casa e encontrávamos as cuecas do Melga no chão da casa de banho ou a toalha húmida em cima da cama.
Admito que foi preciso uma discussão feia, logo no início de casados, para o meu Paulo começar a ter uma participação mais ativa nas lides domésticas, mas só foi preciso discutir uma vez. Desde esse dia e para sempre, limpávamos a casa sempre juntos, ao domingo de manhã, e…
… ficava por aqui.
O meu Paulo não sabia mexer numa máquina de lavar roupa ou numa tábua de passar a ferro ou sequer como estender uma máquina de roupa. Artes culinárias eram uma ciência oculta, no limite conseguia fritar um bife… mal!
Sim, eu era a parte sobrecarregada com a maior parte das tarefas domésticas. Verdade seja dita, também nunca fiz disso um bicho de sete cabeças ou uma batalha. Fazia e pronto!
Só havia um comportamento do meu Paulo que me deixava arrasada…
Por norma, eu guardava a tarde de domingo para passar a roupa. Todos os domingos ficava, no mínimo, três horas consecutivas a passar roupa (15 camisas, uma resma de t-shirts, um mundo infinito de cuecas e meias para dobrar) e, depois disto, muitas vezes, simplesmente não me apetecia fazer o jantar… e o meu Paulo não percebia porquê…
Mais do que furiosa, este comportamento do meu Paulo deixava-me triste. Aquela insensibilidade, a falta de atenção ao que o rodeava… o facto de não lhe ser óbvio que ele tinha estado 3 horas sentado no sofá e eu tinha estado as mesmas 3 horas de pé e que, provavelmente, me doíam as pernas e as costas e os braços… e no dia seguinte ia trabalhar como ele… Porque é que eu tinha que lhe explicar isto? Não seria óbvio? (quase sempre esta conversa acabava com ‘vou tomar banho... se queres comer, faz!)
Já reparei que, nas conversas de gajas, com colegas de trabalho, vamos quase sempre bater a este ponto, não é tanto o facto de os maridos não saberem fazer... o que mais chateia é o facto de termos que ser nós a chamar a atenção para fazer, a dizer quando fazer...
...
Mães de rapazes,
Percebam que não basta ensinar a fazer. Não basta ensinar os filhos a manter o espaço limpo ou a conhecer os meandros de uma máquina de lavar ou a pilotar um fogão, e ficarem muito orgulhosas porque ‘educaram os filhos a não depender das mulheres’.
Percebam que se não os ensinarem a prestar atenção ao que os rodeia, se não os ensinarem a TER A INICIATIVA DE FAZER, sem perguntar se é preciso (a pior pergunta de todas 'precisas de ajuda?'), os vossos filhos vão estar sempre ‘dependentes de uma mulher para cuidar de uma casa’.