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Não sejas engraçadinha!

Como é costume dizer nestas lides "Este é um blog sobre tudo e sobre nada"

Não sejas engraçadinha!

Como é costume dizer nestas lides "Este é um blog sobre tudo e sobre nada"

A minha avó Deolinda

A minha avó Deolinda era analfabeta. Nunca pôs os pés numa escola, porque o seu avô achava que se uma rapariga não fosse à escola não ia conseguir escrever cartas aos rapazes… e seria mais fácil de controlar… dahh!

A minha avó Deolinda tinha muita pena de não saber ler e escrever, mas ninguém a enganava num troco. Ouvia-a muitas vezes dizer: ‘uma pessoa não precisa de ir à escola para saber contar pelos dedos… 3 e 3, 6 e 3, 9 e 3, 12 e 3, 15 e segue por aí fora!’

Sei que ficou muito orgulhosa com a licenciatura das suas netas.

Foi a única pessoa que conheci que, efetivamente, trocava o B pelo V. A recordação mais querida que tenho dela era quando se punha a explicar qualquer coisa muito acaloradamente (a minha avó Deolinda tinha opinião sobre TUDO, ok!) e no final perguntava-me, com olhos arregalados:

‘PERCEVESTE?’

A minha avó Deolinda tinha um metro e meio de altura e tinha sempre muita pressa. Acho que até dormia com o relógio no pulso, tinha sempre muito que fazer, andava sempre a correr. Todos os domingos ia à missa e era sempre a primeira a sair da igreja.

Na casa da minha avó Deolinda havia sempre três coisas garantidas:

- Garrafas de Sumol: quando íamos almoçar a casa da avó Deolinda era uma alegria para mim e Mana Querida… só uma garrafa para cada uma, que Sra. Minha Mãe não permitia cá abusos!

- Frascos de doce e de geleia e taças de marmelada: a minha avó Deolinda fazia doce de qualquer tipo de fruta, experimentava tudo.

- O cão da minha avó, o Chico Escuro. O Chico era neto do Jaka (o outro cão da minha avó) e filho da Steka (que estava na casa do meu tio). Quando nasceu ficou destinado a ser entregue a um vizinho nosso a quem lhe tinha morrido um cão que viveu sempre preso a uma casota. O Chico era um cachorro pastor alemão, muito brincalhão. Quando percebemos qual era o seu destino, imaginámos o bichinho preso a uma casota no quintal e choramingámos: ‘não dês avó, não dês… ele vai ficar preso… na rua’ e a minha avó não deu. O Chico nunca teve sequer uma coleira, viveu sempre em casa, foi muito mimado e morreu velhinho.

A minha avó Deolinda era daquele tipo de mulher que achava que as lides domésticas eram tarefa das mulheres e uma mulher ‘como deve ser’ tinha a obrigação de saber manter uma casa organizada.

Um dia, já crescida, ofereci-me para lavar a loiça do almoço, mas disse ‘eu lavo a loiça’ não disse ‘eu arrumo a cozinha’. Enquanto lavava os pratos, a minha avó andou sempre a serandar, quase a guardar-me. No fim de tudo lavado, agarrei no pano e comecei a tirar as grelhas do fogão para o limpar e só aí ouvi uma exclamação de orgulho e aprovação da minha avó:

‘Muito bem. Eu sei que não preciso de me preocupar com vocês… estão bem entregues, têm quem vos ensine!’

A minha avó Deolinda tinha expressões muito próprias… muito dela. Sendo uma ‘mulher do Norte’, a maior parte dessas expressões não são para repetir, pelo menos aqui, mas há uma que me acompanha sempre, dizia-me muitas vezes:

‘Rita, tu nunca te atrapalhes, uma mulher nunca se atrapalha’.

E rematava:

‘Olha que uma mulher atrapalhada é pior, mas muito pior, que um polícia bêbado!’

Arrebenta a bolha!

Corria o já longínquo ano de 2004, quando eu e o meu Paulo decidimos trocar de casa.

Sabíamos que era um passo grande, tínhamos as nossas contas feitas e plena consciência dos nossos limites. Decidimos avançar com a fase que, para nós, era a mais gira de todas, a fase que nos deu mais 'pica': VER CASAS.

Adorávamos ver casas. Era só ver um prédio com um sinal de ‘Vende-se’ e lá íamos nós.

Um dia andávamos pela Expo, na zona do Oceanário, e vendo tantos prédios em construção, num repente, disse: ‘Morzinho, vamos ver casas?’ ao que ele respondeu, ‘Tás louca… aqui?’

Tínhamos a perfeita noção que nunca, em circunstância alguma, teríamos capacidade financeira para ter uma casa naquela localização, mas lá fomos, VER.

Vimos dois apartamentos T3, em urbanizações diferentes, com as mariquices todas que estavam na moda: boas áreas, bons acabamentos, parqueamento, arrecadação, aquecimento central, roupeiros com fartura, mas SEM vista rio.

Sabia mais ou menos quanto estavam a pedir pelas casas na Expo, tive sempre o número 300 mil na cabeça, mas quando me informaram que o preço de venda eram 350 mil euros, engoli em seco e pensei ‘esta gente chuta-se com a seringa das farturas’.(*)

...

Este fim-de-semana andava eu pelo FB quando dou de caras com um destaque de uma imobiliária (lá está, continua o fetiche de VER CASAS) e confesso que quase me engasguei.

Então o destaque era um apartamento na zona da Sé, em Lisboa, completamente remodelado, acabamentos muito bonitos, tipologia T0. Para quem possa não estar familiarizado com estas terminologias, um T0 não é mais que uma casa de banho e uma cozinha. É suposto a pessoa criar uma área de convívio (vulgo sala) e uma área de repouso (vulgo quarto) na mesma área onde também fica a cozinha (num T0, a única parede interna é a que isola a casa de banho).

A área total deste apartamento eram uns estonteantes 49 metros quadrados e o preço… 300,000.00€.

...

E é isto, pessoas, entre 2004 e 2017 a malta, além da seringa das farturas, passou a fumar charros do tamanho de charutos… é que só pode.

Hoje, em Lisboa, pede-se 300 mil euros por um apartamento, para se poder ter o privilégio de dormir… na cozinha. O único bónus é que o espaço está mobiliado, não iamos pedir ao reformado francês ou inglês que tenha o trabalho de ir ao Ikea e ter que tratar de montar os seus próprios móveis, não é?

...

Não sou a única a pensar que isto não vai acabar bem, pois não?

 

(*) Acabámos por comprar um T3, no Barreiro, com as mesmas características, mas com vista rio, por menos de metade daquele valor… Pronto, é no Barreiro, ok! Mas posso sempre dizer que, em transportes públicos, a malta que vive na Expo leva mais tempo que eu, para chegar à Baixa de Lisboa… é uma maneira de ver as coisas como outra qualquer, não é?

22 anos

Faz hoje 22 anos que terminei a minha licenciatura.

Foi um dia que ficou para a história (pelo menos para a minha história), não só porque terminei uma etapa da minha vida, mas também porque o meu sistema nervoso foi posto à prova como nunca antes e nunca mais depois (acho que, nem no dia em que me casei estava tão nervosa).

Por norma ficava uma pilha de nervos sempre que tinha que fazer uma oral, mas naquele dia estava muito para além da normal pilha de nervos. Parecia uma zombi.

Ainda sou do tempo em que era preciso amargar 5 anos na universidade, para fazer o curso de Direito. Também sou do tempo do boom das universidades privadas. Mais do que qualquer outra coisa, o que pesava nos meus ombros naquele dia era o facto de saber que tinha que passar, tinha que terminar o curso, porque a minha irmã estava à minha espera, porque os meus pais não conseguiam pagar duas universidades ao mesmo tempo.

Estava tudo feito, só faltava aquela cadeira do 4º ano, um dos cadeirões: direito comercial. Fiquei o verão todo a estudar. Para sair de casa (ver pessoas e o sol...), adotei o esquema de estudar todas as tardes, na Biblioteca Municipal do Barreiro.

Quando me sentei naquela cadeira de frente para a professora o suor escorria-me pelas costas, a boca seca como palha. A professora pediu-me para escolher um tema para começar e eu escolhi ‘falências’ e desbobinei tudo o que sabia sobre ‘o regime das falências e o plano Mateus’ (há coisas que nunca mais esquecemos).

Lá respondi às perguntas todas e saí cá para fora. Horas à espera que os restantes alunos fizessem a sua prova. O estômago enrolado, as mãos suadas. Finalmente, sai a nota… passei.

Os colegas à minha volta, todos do 4º ano, deram-me palmadinhas nas costas... parabéns, parabéns. Não fiz festa, não saltei nem pulei, não ri nem chorei (se a prova tivesse sido com os meus colegas de turma, talvez a minha reação fosse outra).

Fui direta à cabine telefónica que havia na entrada do edifício (não havia cá telemóveis…) e liguei para casa:

‘Mãe… já está… passei’.

Tinha 21 anos e fui a primeira pessoa da minha família a fazer uma licenciatura.

Dias mais tarde, fizeram-me uma festa, uma churrascada no terreno da minha tia Céu… somos assim, simplesinhos, basicamente qualquer coisa serve de desculpa para uma almoçarada!

Lembro-me de sair do edifico naquele dia e no caminho para a paragem pensar: já chega, não quero estudar nunca mais, sou estudante desde os 4 anos, estou farta de estudar. Agora só quero trabalhar (mal sabia eu… seis anos depois estava a entrar noutra universidade, com uma telha monumental, para mais dois anos letivos de especialização em ciências documentais).

Lembro-me da primeira vez que ouvi alguém tratar-me por ‘Sra. Dra.’, assim... de forma oficial (e de ter corado até à raiz dos cabelos) e também me lembro do dia em que tive que explicar no meu banco, que na minha certidão de nascimento não consta ‘Dra.’ como primeiro nome.

A vida continua

Há três anos, neste dia, estava a despedir-me do corpo do meu Paulo. Só do corpo, porque a despedida da alma ainda está em curso.

Foi o dia 0 duma nova vida que não escolhi.

Hoje, olho para trás e penso, ‘como é que chegaste até aqui?

Hoje, olho para trás e lembro-me daquelas primeiras semanas em que fazia o caminho do trabalho para casa sempre a chorar. Levava sempre um lenço de papel na mão e ia o caminho todo a limpar as lágrimas que teimavam em cair. De todas as horas do dia, esta era a que mais custava – o caminho para casa.

Hoje, olho para trás e lembro-me que o que mais me amedrontava era o facto de não ter uma vida, não ter rotinas e hábitos...

Hoje, olho para trás e vejo que já tenho essas rotinas, hábitos … já sei o que comprar no supermercado (lembram-se de vos contar que dei comigo perdida no supermercado sem saber o que comprar…).

Sei que estou muito diferente daquilo que fui, mas ainda não sei se mudei para melhor ou pior. Ainda não conheço bem esta nova Rita que ainda está zangada com a vida.

Esta nova Rita que não faz planos de vida para além dos seis meses seguintes e é-me impensável voltar a fazer depender a felicidade do facto de ter alguém ao meu lado.

Esta nova Rita é mais exigente em relação ao que recebe dos outros, nunca mais serei a Rita compreensiva, tolerante, boazinha.

Esta nova Rita é muito mais racional, o que, até certo ponto, é bom. Aprendi a respirar fundo, contar até 10, esperar, não dizer a primeira coisa que me vem à cabeça, no calor do momento.

Esta nova Rita aprendeu a desligar e afastar-se daquilo que a incomoda ou perturba. Aprendi a não dar ‘murros em ponta de faca’.

Esta nova Rita tem como lema de vida ‘raios me partam se me vou deixar morrer por causa do colesterol e tensão arterial e da diabetes’. Não é uma obsessão (até porque gosto muito de comer o chispe e os enchidos do cozido e outras coisas do mesmo calibre), mas agora, no dia-a-dia, sou um bocadinho maníaca dos rótulos e está fora de questão voltar a ter uma vida sem ir ao ginásio pelo menos duas vezes por semana (com exceção do mês de agosto que é sempre uma estragação!).

Não sei se o meu Paulo ia gostar desta nova Rita.

Se gosto da minha vida agora? Nem por isso. Ainda é uma vida um bocadinho sem sentido, sem objetivos… e não pensem que isto se deve ao facto de não ter filhos. Andei dois anos a tomar anti-depressivos e consegui largá-los… se tivesse filhos acho que nunca mais os largava (só a ideia de enfrentar um adolescente sozinha, punha-me de rastos).

Esta nova Rita aprendeu que não deve lutar contra o óbvio, sob pena de enlouquecer. Às vezes a vida ensina-nos que devemos ir ao sabor do vento, sem dar muita resistência.

Esta nova Rita já aprendeu que a ‘vida continua’, sempre de forma caprichosa. Mais cedo ou mais tarde, a vida vai dar mais uma volta… e a cada volta que dá, a nós, meros mortais, só temos que nos adaptar e... continuar.

Já não se fazem noivas como no meu tempo

Hoje, eu e o meu Paulo faríamos 16 anos de casados.

Calma, não me vou por aqui a choramingar recordações.

O que mais me lembro, deste dia há 16 anos e da véspera, é do meu camadão de nervos. Parecia uma panela de pressão.

As vezes que a minha mãe me disse: ‘Calma, Rita!’

Ontem à noite, quando me deitei, lembrei-me do meu último pensamento na mesma noite há 16 anos: ‘só espero que corra tudo bem e que a comida esteja boa!’

Sou ou não sou doida?

...

Lembrei-me disto porque, um destes dias, a minha irmã contou-me que tem uma colega que vai casar dentro de algumas semanas e comentou comigo:

‘Achei muito estranho. Eu não era capaz. Casa num sábado e só vai tirar a 6ª feira antes. Ainda lhe perguntei se não achava pouco, se calhar era melhor tirar a semana antes… há sempre tanta coisa para fazer nos últimos dias. Mas ela, muito calma:

- Já falei com a florista, já falei com a quinta, com o padre, com a cabeleireira… está tudo alinhado… vou na 5ª feira à noite para cima… vou muito a tempo.’

Santa descontração!

O que eu gostava de ser assim!

noiva.png 

O meu dia foi assim.

Ai ca'neura, senhores!

3-I-hate-January-meme.jpg

Eu sei! Eu sei!

Em passando janeiro, é um tirinho até à Páscoa e depois outro tirinho até ao verão...

Mas, bolas, nunca mais acaba janeiro!

Cinco fins-de-semana!

Já disse por aqui e repito, o ano só devia começar em março!

Agora, vou só li beber um cafézinho, pra' ver se isto melhora...

 

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