Sim, este é para vocês, a malta da GSA, em especial, e da carga aérea no aeroporto de Lisboa, em geral
Ao contrário de mim que tenho tias e tios, primas e primos para dar e vender, o Paulo tinha uma família pequenina (pais, irmã, cunhado e dois sobrinhos).
Ao contrário de mim, o Paulo tinha um mundo de Amigos. Assim mesmo com A maiúsculo.
Não era possível ter este blog sem fazer uma referência à malta da GSA (para mim não há cá Air Logistics): o Rui (e a Ana), o Jorge (e a Beta), o Pedro (e a Fátima), a Eva, a Carla (sei que são mais, mas estes são os que mais me lembro).
Também os irmãos Rocha Pinto (e a Marta) e o ‘Caçoilo’ (junto com o Paulo foram uma espécie de ‘cocó, ranheta e facada’).
Para além de mim e do Melga, que tivemos que reinventar uma vida, que tivemos que nos habituar a entrar sozinhos em casa, todos os dias, também os colegas da GSA tiveram que aprender a entrar todos os dias no escritório e ver a secretária do Paulo vazia, também eles tiveram que reaprender a trabalhar e a viver sem o Paulo. Bem vistas as coisas, somos os que mais sentimos a sua falta, porque o Paulo fazia parte do nosso dia-a-dia.
O Paulo era a personificação do ‘gajo bacano’. Para qualquer lado que fossemos o Paulo encontrava sempre algum conhecido do aeroporto (no início estranhei, depois entranhei!).
No velório e no funeral eu sabia que ia aparecer muita gente, mas não estava preparada para aquele MUNDO de gente. Gente que eu não conhecia, que não me conhecia, e vinham ter comigo, muitos de lágrimas nos olhos: ‘trabalhei com o seu marido muitos anos’, ‘era um grande amigo’, ‘vou sentir muito a sua falta’. Lembro-me de chegar ao cemitério, sair da carrinha funerária, olhar para trás e ver uma fila de automóveis a perder de vista. Só mais tarde vim a saber que o funeral congestionou o trânsito da vila onde moramos de tal maneira, que houve moradores que quiseram chamar a polícia para ordenar o estacionamento e o trânsito.
Estou muito grata à malta da GSA. Nas semanas a seguir ao funeral revezaram-se e telefonaram-me para casa para saber como estava, se precisava de alguma coisa (sim, eu percebi que era uma vez a cada um!) e que todos os anos se lembram de me convidar para o jantar feito com os ganhos anuais do totoloto. O Jorge que me telefona sempre que tem dúvidas na entrega do IRS ou para me desejar um bom natal, ou a Beta e a Ana que respondem aos meus desabafos no facebook, a Fátima que teve uma paciência de santa com os meus medos burocráticos, o Pedro que se lembra de me ligar no dia dos anos do Paulo.
Estou muito grata ao Orlando Rocha Pinto que, quando foi preciso retirar a urna da sala do velório, se chegou à frente e perguntou 'quem é que ajuda a levar o amigo?' e não houve urna para tantas mãos.
A todos os que trabalharam com o meu querido Paulo, posso dizer que tenho muitas saudades das conversas que acabavam sempre em caixotes, paletes e cartas de porte; não posso dizer que tenho saudades de ouvir chamadas para o telemóvel do Paulo às 21h que começavam com a frase ‘Paulinho, ainda estás no escritório?’
Eu sei que não faziam por mal. Uma vez o pai de um colega do Melga perguntou ao Paulo o que é ele fazia. Ele respondeu que trabalhava com carga aérea. ‘Carga aérea! Isso é trabalho para gente louca!’ e o Paulo disse ‘Pois é!’
Mas ele não se via a trabalhar noutra coisa que não fossem os aviões.
Obrigada a todos.
PS: Não interpretam mal o que eu disse. Não posso comparar a nossa dor à dor dos pais do Paulo. Essa é uma dor à parte. É outra dor. Chegar aos 80 e ver morrer um filho… é simplesmente contra natura. O ser humano devia estar geneticamente programado para não poder morrer antes dos pais.
O post de ontem foi escrito no ‘calor do momento’. Foi a primeira vez que isso me aconteceu.
Normalmente os meus posts são escritos nos meus bocadinhos livres e são lidos e corrigidos. Nunca tinha escrito daquela maneira, ‘a quente’. Diretamente na caixa de texto.
Foi uma espécie de catarse (acho que é assim que se diz). Estava tão perdida e confusa quando comecei a escrever, mas quando acabei senti-me leve.
Mais do que nunca, ontem percebi que escrever ajuda-me a organizar as ideias, obriga-me a pensar, analisar, chegar a conclusões.
Este fim-de-semana foi outra vez difícil. Voltei a chorar. Sei muito bem o que provocou esta queda. Uma coisa tão pequenina, tão simples, como ir a uma loja que era uma das ‘nossas’ lojas, onde eu nunca mais voltei a entrar.
Só que desta vez foi diferente. Comecei a chorar de tristeza, de dor, mas em pouco tempo dei comigo a sentir raiva:
‘Como foste capaz de fazer isto comigo? Foste embora e deixaste-me aqui sozinha, a passar por isto tudo, sozinha. Tanta vez que te disse para teres mais cuidado contigo e tu sempre a dizeres que sou uma exagerada!’
Falava alto em casa, olhava para as fotos dele e falava alto e chorava: ‘COMO FOSTE CAPAZ?’
No meio daquela loucura toda, olhei para um espelho e assustei-me.
Estava transfigurada. A cara inchada, vermelha, despenteada, um ar enraivecido. Não me reconheci e tive medo.
‘Oh mulher, o que estás a fazer? Estás a dar cabo da tua saúde. Nunca te zangaste a sério com ele enquanto foi vivo, vais-te zangar agora!?’
‘Não podes continuar nisto. Tens que fazer alguma coisa.’
Andei pela minha casa, passei por todas as divisões e apercebi-me que o Paulo e o Melga estão em todos os cantos. Está praticamente tudo no mesmo sítio. Objetos, fotos, tudo conta uma história, tudo tem recordações.
Apercebi-me que ando a evitar dar o passo que falta. Por muito que me custe, tenho que começar a deixar o meu Paulo para trás. E tomei a decisão mais difícil.
Vou dar uma volta completa na minha casa. Vai deixar de ser ‘a nossa casa’ e passar a ser ‘a minha casa’. Tenho medo de começar a sentir raiva do meu amor, por isso, prefiro guardá-lo num cantinho só meu, onde posso voltar sempre que quiser, sempre que sentir saudade.
Curiosamente tudo isto se passou no domingo, 24 de abril. Acho que foi a minha Revolução.
Não é por acaso que a senha da revolução de há 42 anos teve esta música como senha (letra aqui).
Mais uma das muitas 'coincidências' com que me deparei ao longo deste ano e meio.
Isto de ser madrasta tem muito que se lhe diga. Cada caso é um caso, com muitas variáveis em jogo: a madrasta, a criança, os pais da criança, os avós da criança. Tenho a sorte de ter um enteado que sempre foi um amor de menino. Meiguinho. Desde que fosse bem tratado, para ele estava tudo bem (acho que é isto que qualquer criança de 6 anos quer).
Lembro-me de a minha mãe me dizer ‘Oh Rita tens que ter muita atenção. Não estás a casar só com um homem, também estás a casar com o filho dele’ e a minha avó que me disse ‘nunca te esqueças, o menino não tem culpa de nada, ele não pediu para nascer.’
Desde muito cedo o Paulo deixou-nos entregues um ao outro. A intenção era clara. Nós dois tínhamos que nos entender, criar as nossas regras. Ele só intervinha quando era mesmo necessário. É verdade que nem sempre conseguia ser imparcial (era o menino dele), mas houve muitas situações em que compreendeu a minha posição e contrariou o Melga.
Desde o início deixámos muito claro para o Melga que, em nossa casa, o Paulo era o Pai, o Melga era o Filho e eu era a ‘Mãe’. Houve algumas rotinas que quis mudar e tive que batalhar para as conseguir mudar. Nem sempre foi fácil, ainda ouvi algumas vezes a famosa frase ‘se ele fosse teu filho, não fazias isso’. Mas tenho a consciência tranquila. No meu relacionamento com o Melga tive sempre o cuidado de pensar ‘se ele fosse mesmo meu filho, como é que eu fazia’.
Acho que tive bons resultados. Quando havia TPC’s era para mim que o Melga se virava. Estava fora de questão ser o pai a cortar-lhe as unhas. Quando chegámos àquela fase em que já tomava banho sozinho, mas ainda era preciso ajuda para se limpar, era por mim que chamava a cantarolar ‘Ritita, a minha toalhita’.
Lembro-me de um dia estar a esfregar-lhe a cabeça durante o banho e termos esta conversa:
Melga: Sabes Rita, hoje a professora disse que os pais devem ajudar os filhos a fazer os trabalhos de casa.
Eu: Tem toda a razão. Assim os pais ficam a saber que matérias é que os filhos estão a estudar.
Melga: Tu também me ajudas a fazer os trabalhos de casa.
Eu: Pois! Quando estás cá em casa, ajudo.
Melga: Mas tu não és a minha mãe.
Eu: Pois não.
Ficámos um bocadinho em silêncio. Percebi que estava num dilema e não sabia como dar a volta ao assunto.
De repente levanta cabeça, olha para mim e disse: És quase minha mãe.
Início de fim de semana prolongado e o bicho mia desde as seis da manhã.
Começou de mansinho, assim como quem não quer nada e foi aumentando de intensidade. Às oito da manhã estava assim, em cima da mesa de cabeceira já em modo sirene de bombeiros.
'Oh Rita, já pensaste pôr o gato fora do quarto e fechar a porta? Assim já conseguias dormir, certo?'
Errado! Além de miar desalmadamente, ainda arranhava a porta toda.