'Não gosto do Natal!'
Já ouvi esta frase muitas vezes.
Pessoas que fazem questão de dizer que não gostam do Natal ou que o Natal não lhes diz nada, porque perderam pessoas pelo caminho e com elas foi a sua alegria.
Há dias falava com uma colega sobre isto.
Dizia-me que, de há uns anos para cá, o Natal deixou de fazer sentido, precisamente porque faltavam-lhe pessoas à mesa.
Fiquei a pensar naquelas palavras e... confesso que não consigo entender.
Já aqui vos disse que, neste longo processo de fazer o meu luto, tive sempre uma permissa na qual acreditei e acredito profundamente: quem morre deixa-nos a maior das responsabilidades - continuar a viver.
O meu Paulo adorava o Natal. Era a sua festa. Principalmente nos anos em que calhava a Consodada ser na nossa casa.
Fazia questão de pôr a mesa. Chegava a estar duas horas só a pôr a mesa e velas acessas pela casa toda. Vibrava com a hora de abrir as prendas, gostava de ver a reação dos outros. Era sempre o último a abrir as prendas, só no fim, depois de ver os outros.
O primeiro Natal depois da morte do meu Paulo, não estava neste planeta. No Natal de 2015 fomos para casa de alguém, já não me lembro.
O ano passado, pela primeira vez, tomei coragem e pedi à minha família para fazermos a Consoada na minha casa.
Adorei ter a casa cheia, tirar a minha loiça toda dos armários. Adorei voltar a ter VIDA na minha casa. Senti verdadeiramente que o meu Paulo havia de estar feliz por ver a casa cheia. Gostei tanto que este ano perguntei se queriam repetir.
- E não te custa, Rita?
Claro que custa. Custa sempre. Haverá sempre uma lágrima mais forte que vai teimar em rolar, nem que seja às escondidas.
Mas é aqui que entra aquela minha permissa: continuar a viver.
Vou consolar-me no facto de saber que todas as pessoas que se vão sentar na minha mesa, na minha casa, naquela noite, nem que seja só por um segundo, vão lembrar-se que falta ali uma pessoa, vão lembrar-se do meu Paulo.
Vou consolar-me com um ou outro momento que surja na conversa, onde se comentem peripécias ou gestos ou expressões do meu Paulo... e vão ouvir-se gargalhadas...
Cada pessoa é como é. Cada pessoa tem a sua forma de encarar o que lhe vai acontecendo na vida. Respeito isso.
Eu prefiro encarar desta maneira. É preciso nunca esquecer que temos os nossos pequeninos, que têm todo o direito de criar memórias felizes dos seus Natais de infância.
Se não fosse assim, pensem lá: se quem morre não celebra, se quem fica não celebra, porque quem morre não está cá... então não andamos cá a fazer nada, não é?